o mosal

O MOSAL é um coletivo formado por pessoas e entidades de Florianópolis cujo objetivo é influir nas políticas públicas de saneamento básico, assim como promover a conscientização dos cidadãos através de ações e oficinas.
SANEAMENTO DESCENTRALIZADO
ESGOTAMENTO SANITÁRIO

RESÍDUOS SÓLIDOS

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Caminhos para vencer a miséria


Washington Novaes - O Estado de S.Paulo – 08.04.11
Continua a provocar discussões sob vários ângulos a declaração da presidente Dilma Rousseff há poucos dias, em Belo Horizonte, de que será difícil erradicar totalmente a pobreza do País em quatro anos de seu mandato - um dos objetivos que apresentara enquanto candidata. Segundo o noticiário, dizia o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) naquele momento que o número de pobres (renda per capita mensal de até R$ 140) caíra, entre 2003 e 2009, de 30,4 milhões de pessoas para 17 milhões. O economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, comentava, a propósito (Estado, 29/3), que "a erradicação é inatingível" e seria "mais realista" pensar em reduzir à metade o contingente atual de pobres. Desde o início do Plano Real, a queda já fora de 67%; em oito anos do governo Lula, de 50,6%; e mesmo se até 2014 se reduzir o índice de pobres de 15,3% para 8,6%, ainda teremos 16,1 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza (R$ 142 mensais).
O custo para erradicar totalmente a miséria, estimou Marcelo Neri, ficaria em R$ 22 bilhões anuais - o que trouxe de volta críticas já ouvidas em outros momentos, de que para ter esses recursos bastaria reduzir a "bolsa-banco", os mais de R$ 150 bilhões que o governo federal paga anualmente de juros da dívida, a investidores de outros países ou mesmo daqui, que tomam empréstimos fora para aplicar internamente, beneficiando-se da taxa anual de juros próxima de 12% (quando nos países industrializados está pouco acima de zero). Hoje o custo do Bolsa-Família está em R$ 1,22 bilhão por mês, ou menos de R$ 15 bilhões/ano, cerca de dez vezes menos que a despesa com aqueles juros.
Discussão difícil. Para conceder agora 19,6% de aumento aos 12,9 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa-Família (que reúnem cerca de 40 milhões de pessoas) e "tirar da miséria mais 500 mil famílias cadastradas" - conforme relatou neste jornal Marta Salomon (3/3) - o governo federal fará cortes de R$ 340 milhões em vários outros programas sociais, segundo crítica da senadora Lúcia Vânia (O Popular, 19/3). O ProJovem, por exemplo, que só atende 3,5 milhões dos 55 milhões de jovens possíveis beneficiários, perderá R$ 34,3 milhões; ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil só restarão R$ 250 milhões; R$ 6,21 milhões foram cortados do programa de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças; o sistema que protege o adolescente em conflito com a lei perde R$ 2,5 milhões; o Fundo Nacional de Assistência Social terá um corte de 10% nos gastos opcionais; além da redução de R$ 1,5 bilhão no orçamento do Ministério da Justiça para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania e para combate a drogas. Sem falar em menos verbas para o Minha Casa, Minha Vida.
E tudo isso sem entrar num terreno ainda mais complicado, que é o da discussão sobre o que seria "nível abaixo da pobreza". Ainda na semana passada (29/3), o caderno Estadão.edu publicou entrevista da reitora da Universidade Harvard, Drew Faust, dizendo que naquela instituição os alunos de famílias com renda anual abaixo de US$ 60 mil (cerca de R$ 100 mil) não pagam anuidade. Aqui, R$ 100 mil/ano é um nível de renda que já situaria as famílias nos estratos mais altos da sociedade, pois a renda média dos que trabalham não chega a R$ 2 mil mensais.
A discussão pode, porém, observar outros parâmetros. Para os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o nível da miséria está nas famílias com renda abaixo de US$ 2 por dia, ou cerca de R$ 3,40, em torno de R$ 100 mensais. Nesse nível inferior, diz o Programa de Metas para o Milênio, ainda vivem cerca de 850 milhões de pessoas no mundo; 2,5 bilhões não dispõem de saneamento básico e 23% das pessoas "defecam ao ar livre". E vai piorar, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO): até 2025 cerca de 1,8 bilhão de pessoas enfrentarão problemas muito graves de abastecimento de água (teremos mais 80 milhões de consumidores por ano).
Nosso panorama, nessa área, não consola. Segundo o IBGE, 56% dos domicílios brasileiros, com mais de 100 milhões de pessoas, não são ligados a redes de coleta de esgotos (e só 29% dos esgotos coletados recebem algum tratamento); quase 10% dos domicílios não recebem água tratada.
Já o Atlas Brasil, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA), informa (Estado, 21/3) que perto de 55% dos municípios brasileiros enfrentarão problemas de escassez de água até 2025. E o País precisa investir R$ 22,2 bilhões para evitar o risco de colapsos. Já o investimento total em água e esgotos é calculado em R$ 70 bilhões, para suprir as atuais deficiências e atender a mais 45 milhões de pessoas até aquela data.
Os Ministérios do Planejamento e das Cidades contestaram as informações do Atlas. Mas a discussão não prosseguiu. Poderia ter entrado também pelo terreno do desperdício de água nas redes de abastecimento das cidades brasileiras, calculado na média em 40% do que sai das estações de tratamento - o que implica perdas de R$ 7,4 bilhões anuais para as empresas distribuidoras, segundo este jornal (8/3).
Sem negar nenhum avanço da última década, ainda assim, sejam quais forem os critérios da discussão do tema da pobreza interna, temos enormes avanços por fazer, para reduzir as taxas de desemprego, o emprego informal, o baixo nível de rendimento da maioria da população, os baixos níveis educacionais, o altíssimo desemprego entre jovens e a alta participação deles nos índices de violência.
É salutar que a presidente da República não se embale em fantasias e admita que ainda são e serão muitas as pedras no caminho da erradicação da pobreza. Mas também é vital que, na concepção das macropolíticas, os avanços na área social não se façam à custa de outros programas sociais decisivos. É possível cortar em áreas mais privilegiadas.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lixo extraordinário


Em Borås, na Suécia, a maior parte dos resíduos sólidos gerados pela população de cerca de 64 mil habitantes é reciclada, tratada biologicamente ou transformada em energia (biogás), que abastece a maioria das casas, estabelecimentos comerciais e a frota de 59 ônibus que integram o sistema de transporte público da cidade.
Em função disso, o descarte de lixo no município sueco é quase nulo, e seu sistema de produção de biogás se tornou um dos mais avançados da Europa. “Produzimos 3 milhões de metros cúbicos de biogás a partir de resíduos sólidos. Para atender à demanda por energia, pesquisamos resíduos que possam ser incinerados e importamos lixo de outros países para alimentar o gaseificador”, disse o professor de biotecnologia da Universidade de Borås, Mohammad Taherzadeh, durante o encontro acadêmico internacional “Resíduos sólidos urbanos e seus impactos socioambientais”, realizado em 30 de março, em São Paulo.
Promovido pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade de Borås, o evento reuniu pesquisadores das duas universidades e especialistas na área para discutir desafios e soluções para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, com destaque para a experiência da cidade sueca nesse sentido.
De acordo com Taherzadeh, o modelo de gestão de resíduos sólidos adotado pela cidade, que integra comunidade, governo, universidade e instituições de pesquisa, começou a ser implementado a partir de meados de 1995 e ganhou maior impulso em 2002 com o estabelecimento de uma legislação que baniu a existência de aterros sanitários nos países da União Europeia. Para atender à legislação, a cidade implantou um sistema de coleta seletiva de lixo em que os moradores separam os resíduos em diferentes categorias e os descartam em coletores espalhados em diversos pontos na cidade.
Dos pontos de coleta, os resíduos seguem para uma usina onde são separados por um processo ótico e encaminhados para reciclagem, compostagem ou incineração. “Começamos o projeto em escala pequena, que talvez possa ser replicada em regiões metropolitanas como a de São Paulo. Outras metrópoles mundiais, como Berlim e Estocolmo, obtiveram sucesso na eliminação de aterros sanitários. O Brasil poderia aprender com a experiência europeia para desenvolver seu próprio modelo de gestão de resíduos”, afirmou Taherzadeh.
Plano de gestão – Em dezembro de 2010, foi regulamentado o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos brasileiro, que estabelece a meta de erradicar os aterros sanitários no país até 2015 e tipifica a gestão inadequada de resíduos sólidos como crime ambiental. Com a promulgação da lei, os especialistas presentes no evento esperam que o Brasil dê um salto em questões como a compostagem e a coleta seletiva do lixo, ainda muito incipiente no país.
De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 18% dos 5.565 municípios brasileiros têm programas de coleta seletiva de lixo. Mas não se sabe exatamente o percentual da coleta seletiva de lixo em cada um desses municípios. “Acredito que a coleta seletiva de lixo nesses municípios não atinja 3% porque, em muitos casos, são programas pontuais realizados em escolas ou pontos de entrega voluntária, que não funcionam efetivamente e que são interrompidos quando há mudanças no governo municipal”, avaliou Gina Rizpah Besen, que defendeu uma tese de doutorado sobre esse tema na Faculdade de Saúde Publica da USP em fevereiro.
Na região metropolitana de São Paulo, que é responsável por mais de 50% do total de resíduos sólidos gerados no estado e por quase 10% do lixo produzido no país, estima-se que o percentual de coleta seletiva e reciclagem do lixo seja de apenas 1,1%. “É um absurdo que a cidade mais importante e rica do Brasil tenha um percentual de coleta seletiva de lixo e reciclagem tão ínfimo. Isso se deve a um modelo de gestão baseado na ideia de tratar os resíduos como mercadoria, como um campo de produção de negócios, em que o mais importante é que as empresas que trabalham com lixo ganhem dinheiro. Se tiver reciclagem, terá menos lixo e menor será o lucro das empresas”, disse Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP.
Nesse sentido, para Raquel, que é relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos humanos de moradia adequada, a questão do tratamento dos resíduos sólidos urbanos no Brasil não é de natureza tecnológica ou financeira, mas uma questão de opção política. “Nós teríamos, claramente, condições de realizar a reciclagem e reaproveitamento do lixo, mas não estamos fazendo isso por incapacidade técnica ou de gestão e sim por uma opção política que prefere tratar o lixo como uma fonte de negócios”, afirmou.
A pesquisadora também chamou a atenção para o fato de que, apesar de estar claro que não será possível viver, em escala global, com uma quantidade de produtos tão gigantesca como a que a humanidade está consumindo atualmente, as políticas de gestão de resíduos sólidos no Brasil não tratam da redução do consumo. “O modelo de redução da pobreza adotado pelo Brasil hoje é por meio da expansão da capacidade de consumo, ou seja: integrar a população ao mercado para que elas possam cada vez mais comprar objetos. E como esses objetos serão tratados depois de descartados não é visto como um problema, mas como um campo de geração de negócios”, disse.
Na avaliação de Raquel, os chamados produtos verdes ou reciclados, que surgiram como alternativas à redução da produção de resíduos, agravaram a situação na medida em que se tornaram novas categorias de produtos que se somam às outras. “São mais produtos para ir para o lixo”, disse.
Incineração – Uma das alternativas tecnológicas para diminuir o volume de resíduos sólidos urbanos apresentada pelos participantes do evento foi a incineração em gaseificadores para transformá-los em energia, como é feito em Borås. No Brasil, a tecnologia sofre resistência porque as primeiras plantas de incineração instaladas em estados como de São Paulo apresentaram problemas, entre os quais a produção de compostos perigosos como as dioxinas, além de gases de efeito estufa.
Entretanto, de acordo com José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, grande parte desses problemas técnicos já foi resolvida. “Até então, não se sabia tratar e manipular o material orgânico dos resíduos sólidos para transformá-lo em combustível fóssil. Mas, hoje, essa tecnologia já está bem desenvolvida e poderia ser utilizada para transformar a matéria orgânica do lixo brasileiro, que é maior do que em outros países, em energia renovável e alternativa ao petróleo”, destacou. (Fonte: Elton Alisson/ Agência Fapesp)