o mosal

O MOSAL é um coletivo formado por pessoas e entidades de Florianópolis cujo objetivo é influir nas políticas públicas de saneamento básico, assim como promover a conscientização dos cidadãos através de ações e oficinas.
SANEAMENTO DESCENTRALIZADO
ESGOTAMENTO SANITÁRIO

RESÍDUOS SÓLIDOS

WASHINGTON NOVAES - Pequeno, bonito e mais barato


Houve tempo em que se popularizou a expressão "small is beautiful" (o pequeno é bonito), que pretendia demonstrar, principalmente na área ambiental, que pequenas iniciativas, pequenas obras, eram um caminho mais fértil, mais barato, de benefícios sociais mais amplos. Hoje a expressão parece em desuso, ao mesmo tempo que se ampliam informações sobre megaobras (que custam fortunas) como solução para problemas sociais, ambientais e econômicos - quando, quase sempre, elas são desperdiçadoras de recursos e concentradoras de benefícios, principalmente nas megaempresas que as executam e influenciam as macropolíticas do País.

Talvez o exemplo mais claro, já comentado neste espaço, seja o da área de energia, em que quase só se planejam mega-hidrelétricas na Amazônia ao custo de dezenas de bilhões de reais, além de outras problemáticas para áreas indígenas e de preservação legal - sem discussão clara com a comunidade científica, que tem apontado outras possibilidades, poupadoras de recursos que poderiam ser destinados a áreas sociais muito carentes. Ainda agora, noticia-se também (Estado, 30/12) que o BNDES emprestará R$ 6,1 bilhões (56,8% do valor total) para construção da usina nuclear Angra 3. Na verdade, a obra já foi iniciada - embora a licença concedida estabelecesse a condicionante de se definir, antes, a destinação final dos resíduos nucleares altamente perigosos, e isso não ocorreu. Sem esquecer o que o cientista Carlos Nobre, coordenador da política nacional do clima, afirmou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que esse projeto precisaria ser revisto com cuidado, diante da inconveniência de implantar usinas nucleares à beira-mar, com o processo já em andamento de elevação do nível do oceano. Mas segue-se em frente, como se nada tivesse sido dito. E ainda se planejam mais quatro usinas do mesmo tipo.

Não é muito diferente na área do saneamento, em que mais de 50% da população (mais de 107 milhões de pessoas) continuam sem rede coletora de esgotos, menos de 30% dos esgotos coletados são tratados e quase 40 milhões de pessoas não recebem água tratada em suas casas (Gesner de Oliveira, ex-presidente da Sabesp, 2011) - com graves consequências também na área de saúde, na qual as doenças veiculadas pela água são a principal causa de internações e consultas na rede pública; e na dos recursos hídricos, em que o despejo de esgotos sem tratamento é a principal causa de poluição. Mas nem se acena com qualquer possibilidade próxima de solução, pois se argumenta que para universalizar o atendimento na área serão necessários megainvestimentos de R$13,5 bilhões por ano durante 15 anos (Folha de S.Paulo, 7/1). Ou R$ 255 bilhões, segundo a Sabesp. E ainda é preciso lembrar que os investimentos pelo PAC nesse setor - de R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões por ano - não têm chegado nem à metade do planejado.

Talvez seja a hora de relembrar, então, que, dada a urgência de soluções para a sociedade, o pequeno pode ser bonito - e muito mais rápido. Começando pelo saneamento. Brasília é hoje a capital com maior índice de coleta de esgotos, acima de 90%, graças ao sistema condominial, criado pelo pernambucano José Carlos Mello e introduzido na cidade no início da década de 90. Que, eliminando, nas quadras internas em áreas de expansão, a maior parte das caríssimas redes coletoras de grandes manilhas de concreto, conseguiu ali, com enorme economia, chegar bem perto da universalização. No Brasil já existem cerca de 5 milhões de pessoas beneficiárias do sistema, além de 1 milhão no Peru. Mas continua muito forte a resistência das empresas estatais a adotar esse caminho e restringir megaobras.

Não é a única solução de menor porte. A própria Agência Fapesp, junto com o Instituto de Geociências da USP, desenvolveu modelo eficiente de fossas sépticas para comunidades de menores recursos, capazes de degradar a matéria orgânica nos esgotos e dar tratamento adequado ao nitrogênio, que costuma permanecer durante décadas nas águas próximas das fossas convencionais (e 75% dos municípios paulistas já usam águas subterrâneas). Com a vantagem de que as fossas podem ser construídas por qualquer pedreiro, a custo baixíssimo (Agência Fapesp, 27/8/2010). No Paraná, onde 57,9% das cidades não dispõem de redes de coleta de esgotos (Ambiente Brasil, 27/12/2010), também se começam a instalar "estações de tratamento de esgotos por zona de raízes", um sistema em que plantas filtram o efluente antes de lançá-lo na natureza. Uma estação para tratar efluentes de uma casa pode ser feita em dois dias e custar R$ 500. Ou pouco mais, em pequenos conjuntos. Os coliformes fecais são reduzidos em 99%. Já há projetos maiores em andamento, como, em São José dos Pinhais (PR), uma estação para tratar os efluentes de 700 pessoas. A bióloga Tamara Van Kaick, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, atesta a eficiência do sistema.

Ainda na área do saneamento, é inacreditável que não se implantem sistemas para financiar a recuperação de redes de água, quando a perda média em nossas cidades é de 40% da água que sai das estações de tratamento e custa de cinco a sete vezes menos recuperar um litro de água que obter um litro "novo" com novas barragens, novas adutoras e novas estações de tratamento. Mas as prefeituras não conseguem recursos para entrar por esse caminho econômico.

Da mesma forma, dezenas de bilhões de reais vão para projetos como o da transposição das águas do Rio São Francisco e, em boa parte, para cidades com esses níveis de perda - enquanto é enorme a luta para conseguir mais recursos para construir cisternas de placas nas comunidades isoladas do Nordeste, capazes de abastecer de água uma família durante toda a estiagem. Cada uma delas custa cerca de R$ 1,3 mil, mas só foram instaladas 323 mil, quando se precisa de mais 1 milhão.

"Small is beautiful" - é preciso, mais que nunca, gritar pelas ruas.


Comentário:
A publicação deste artigo veio em um momento de extrema importância vivido pelo MOSAL- Movimento Saneamento Alternativo- aqui em Florianópolis, uma vez que seu artigo vem a reforçar nossa proposta de saneamento para a cidade da não-comunicação, Florianópolis. A proposta do movimento , que já realizou três oficinas participativas na ilha, propôs a implantação do modelo descentralizado de tratamento de esgoto com complementaridade como contra "proposta" ao modelo centralizado desejado pela PMF e sua concessária CASAN- que prevê a construção de duas mega-ETEs, uma no norte e outra ao sul da ilha, com EMISSÁRIOS SUBMARINOS (um na praia dos Ingleses e outro no Campeche - prá acabar com o que temos de mais bonito). Nossa proposta tem sido sistematicamente ignorada, tanto quando apresentada durante intervenções em Audiências Públicas - manobradas pela FATMA, Casan e PMF, como quando apresentada de forma oficial através da intervenção dos Ministérios Públicos. Como parte das tentativas de frearmos as construções, realizamos oficinas, manifestações de rua ( praia) e solicitamos que novo EIA-RIMA seja feito (uma vez que o apresentado por eles referia-se ao emissário e não às ETEs, assim como não trazia dados comparativos sobre outras alternativas como previsto por lei). Florianópolis está à mercê da especulação imobiliária e grandes construções, que encontraram as portas abertas para sua ação com a interrupção arbitrária do processo do Plano Diretor Participativo pelas mãos da PMF e seus comparsas. Ficamos sem defeso e as propostas deliberadas pelas comunidades estão sendo ignoradas - como é o caso da questão do saneamento e vocação para turismo ecológico. Assim, nossos projetos para parques naturais são rejeitados e suas áreas são negociadas para a construção de grandes empreendimentos, o saneamento entra como negócio rentável e não como política pública para atendimento da população - grandes obras , muito desvio de verbas e precariedade , e abrangência limitada. Divulgaremos ( um verdadeiro feito por aqui!) seu artigo com o maior prazer e da melhor maneira possível! Florianópolis pede socorro. http://mosal-movimentosaneamentoalternat.blogspot.com/ Raquel Macruz ( mosal.contato@gmail.com)